Definir o que é Cultura de Doação não é simples. Imagine então medir a evolução da Cultura da Doação e o quanto tem sido feito nesse sentido! Foi esse o desafio que duas pesquisadoras muito experientes (Ana Lucia Lima e Camila Cirillo) aceitaram enfrentar, a convite do Movimento por uma Cultura de Doação (MCD).
E o resultado do trabalho delas e da Erika Sanchez, do Comitê Coordenador do MCD, é o Termômetro da Doação, um instrumento que traz um retrato da Cultura de Doação, sob diversos pontos de vista.
Essa história começa em 2020, quando o MCD criou cinco diretrizes para orientar quem desejasse estimular a cultura de doação. Todo mundo ficou contente, mas logo veio a dúvida: “como vamos saber se nossas ações estão dando resultado e se a cultura de doação está evoluindo?”.
A resposta chegou com o Termômetro da Doação, que traçou uma linha de base, a partir das cinco diretrizes, mostrando exatamente onde estamos hoje. O diagnóstico: estamos estagnados.
O Termômetro é um instrumento complexo, composto por 46 rubricas que apresentam 40 índices de 18 fontes diferentes, cobrindo um espaço de tempo entre 2015 e 2023. Mas é fácil entender o diagnóstico a partir das cinco diretrizes analisadas. Cada uma recebeu uma nota, que pode variar de 0 a 10.
A diretriz 1 recomenda o desenvolvimento de uma educação para a cultura de doação. Propõe a criação de ambientes propícios ao fortalecimento do espírito cívico e comunitário dentro de escolas, de famílias e de empresas. Essa diretriz tirou nota 4,2. Sobretudo porque ainda não se educa para que as pessoas entendam o poder transformador da doação nem elas valorizam o trabalho das ONGs.
A diretriz 2 é a promoção de narrativas engajadoras. Histórias positivas e qualificadas sobre a cultura de doação, que cheguem a um público diverso. Essa diretriz tirou nota 5,0. O que mais pesou para essa nota foi o fato de não termos muitos canais e estratégias para a comunicação com um público amplo e diversificado e também porque não foi possível encontrar um índice sobre ações de comunicação voltadas para valorizar a importância das ONGs e o papel dos doadores em sua sustentabilidade financeira. Exatamente uma das frentes lideradas pelo Sociedade Viva!
A diretriz 3 trata da importância de se criar um ambiente favorável às doações, ou seja, doar deve ser fácil, rápido e acessível para todos. Essa diretriz ficou com a pior nota: 3,6. E o que prejudicou seu desempenho foram três pontos. Primeiramente porque há poucos projetos e iniciativas visando facilitar o processo de doação. Em segundo lugar porque as pessoas não sabem que é possível doar e descontar do imposto de renda. E por último, porque o sistema bancário não é adequado para as necessidades das ONGs, o que faz com que doar fique complicado para os doadores.
A diretriz 4 recomenda o fortalecimento das ONGs. Esse fortalecimento passa pela necessidade de qualificação profissional, acesso a bons serviços, equipamentos e tecnologia, para que as ONGs possam produzir mudanças sistêmicas. A diretriz 4 obteve nota 5,0 porque as entidades quase não recebem recursos para seu fortalecimento. As doações vão diretamente para os projetos sociais, sem que os doadores contribuam para o fortalecimento da instituição. Além disso, não foi possível identificar nenhum indicador que informe sobre a atração de novos profissionais para o terceiro setor.
A quinta e última diretriz propõe que os agentes que promovem a cultura de doação trabalhem de maneira mais integrada e estratégica, atuando como um setor. Essa diretriz tirou nota 4,6 e foi prejudicada, sobretudo, porque não há indicadores para dizer se os doadores têm consciência da necessidade de financiar as entidades que estruturam o campo da filantropia.
Depois de tantas notas baixas, talvez o leitor esteja se sentindo desanimado. Mas temos uma surpresa final. Além das diretrizes, o Termômetro também considera uma dimensão adicional, que avalia se as pessoas, entidades e empresas estão doando recursos e tempo. E justamente neste último tópico, a nota subiu para 5,7, elevada pelo fato de que há mais pessoas doando, o valor médio doado está aumentando pouco a pouco e a prática do voluntariado está crescendo entre os indivíduos e as empresas.
Porém, o mais valioso do Termômetro da Doação não é simplesmente nos indicar a ‘temperatura’, mas sobretudo nos apontar onde devemos atuar para que a cultura de doação prospere no Brasil, financiando organizações que desempenham um papel relevante nos âmbitos social, ambiental e cultural, além da defesa da democracia.
Andrea Wolffenbüttel é Consultora Associada do IDIS e membro do Comitê Gestor do Movimento por uma Cultura de Doação
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