A Lei 13.019/2014 estabeleceu o regime jurídico de parcerias entre a Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil, as conhecidas ONGs, por meio da celebração de termos de fomento, de colaboração e de acordos de cooperação. Essa lei foi tão importante para as organizações da sociedade civil que muitas vezes é chamada de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), apesar de ser apenas uma parte dessa agenda.
Antes da aprovação dessa Lei, as ONGs que realizavam atividades de interesse público com apoio do Estado, como nas áreas de educação, assistência social, cultura, esportes, dentre outras, seguiam regras semelhantes ao que era exigido para relações entre entes da Administração Pública, como no caso de uma ação conjunta entre um estado e um município. Muitos desses procedimentos não eram adequados à realidade das ONGs e muitas vezes acabavam por inviabilizar a própria execução da parceria ou então por criminalizar as organizações.
Com a aprovação dessa Lei, foram previstos procedimentos específicos para este tipo de relação com maior segurança jurídica, considerando as particularidades e a natureza de entidade privada das ONGs, cumprindo assim com propósitos importantes para o fortalecimento da sociedade civil e a implementação das políticas públicas.
Os termos de fomento são contratos feitos para viabilizar que a administração pública incorpore inovações da sociedade civil no processo de implementação de políticas públicas. São tipos de contratos nos quais a ONG propõe a metodologia a ser utilizada, com fins a resolver um problema público previamente diagnosticado.
Já os termos de colaboração são contratos celebrados para casos nos quais a administração pública já sabe que tipo de ações ela quer que sejam realizadas e quais resultados ela pretende alcançar. As ONGs se apresentam para realizar essas atividades previstas.
Em ambos os casos, a Lei prevê que sejam feitos chamamentos públicos para a seleção das ONGs que podem atuar em parceria com o Estado. Assim, cria-se um ambiente que favorece a transparência, o interesse público e o trabalho conjunto.
No Brasil, é comum ouvir que uma Lei não pegou. Isso diz respeito a leis que, apesar de uma boa motivação e tentarem atender um problema relevante, não são implementadas adequadamente, o que faz com que o problema permaneça ocorrendo.
Nesse contexto, podemos nos perguntar se a Lei 13.019/2014 pegou. Será que ela substituiu os procedimentos anteriores vistos como inadequados? Será que ela tem sido bem-sucedida no atendimento aos princípios por ela estabelecidos?
Para responder essa pergunta, a Secretaria-Geral da Presidência da República, por meio da Diretoria de Parcerias com a Sociedade Civil, acaba de lançar o “Perfil das Parcerias entre a União e as Organizações da Sociedade Civil”. Esta publicação é parte de uma iniciativa de transparência ativa e marca o início de um esforço de sistematização de dados para o monitoramento da implementação da Lei 13.019/2014.
O documento apresenta uma análise detalhada das parcerias realizadas entre a administração pública e as organizações da sociedade civil no período de 2016 a 2022. A Lei 13.019/2014, que estabelece o regime jurídico dessas parcerias, é o instrumento norteador desse estudo, que traz uma série de dados importantes sobre sua implementação.
Entre os principais achados, o estudo destaca o aumento significativo no uso dos Termos de Fomento e Colaboração pela Administração Pública Federal, detalhando seus valores e identificando os principais órgãos responsáveis pelas parcerias. Outro ponto relevante é a participação das emendas parlamentares na execução dessas parcerias, fornecendo subsídios para o debate sobre este instrumento orçamentário.
Além disso, o documento evidencia as desigualdades regionais no acesso às parcerias. Dos 3.890 acordos firmados entre 2016 e 2022, apenas 132 foram estabelecidos com organizações da sociedade civil sediadas na região Norte do país. Este dado chama atenção para a necessidade de que as políticas públicas promovam uma distribuição mais equitativa das parcerias em todo o território nacional.
O relatório apresenta também uma análise sobre outros instrumentos de parcerias: convênios, contratos de repasse e termos de parceria, modalidades que não são reguladas pela Lei 13.019/2014. Esta análise engloba o período anterior, de 2008 a 2015, bem como um comparativo com os termos de fomento e colaboração para o período seguinte.
O primeiro passo que esse estudo aponta é no sentido de propor ações que promovam maior equidade na distribuição de parcerias celebradas entre o Governo Federal e ONGs de diferentes regiões do Brasil. Afinal, uma parceria injeta recursos para o desenvolvimento de determinada localidade e visivelmente o Governo Federal tem transferido menos recursos para OSCs sediadas na região norte e sul.
Mesmo que organizações de outros locais estejam atuando nessas regiões por meio de parcerias com o Governo Federal, podemos pensar em porque o recurso não chega para as ONGs locais. Será que são menos preparadas para gerir recursos públicos? Será que não tem acesso às oportunidades disponíveis? Será que propõem projetos mais caros, em comparação aos projetos de organizações de outras regiões? Para cada uma dessas perguntas é possível pensar em uma ação governamental específica.
Além disso, saber que os instrumentos da Lei 13.019/2014 estão sendo utilizados pelo Governo Federal, em substituição aos antigos instrumentos de parceria é muito importante. Mas precisamos saber como os termos de fomento e colaboração estão sendo utilizados. Será que trazem consigo as inovações da Lei 13.019/2014 ou as velhas práticas estão sendo implementadas com uma nova roupagem? Nesse contexto, um próximo passo importante é entender o passo-a-passo da implementação da Lei 13.019/2014 nos diferentes órgãos do Governo Federal.
Por fim, também é importante verificar se a lei 13.019/2014 também pegou nos Estados e municípios, esferas onde ocorre a maior parte das parcerias, visto que é nesse âmbito que a política pública realmente acontece. A maior parte das parcerias ocorre pelos governos municipais e estaduais, mas temos pouquíssimos dados sobre elas. O Governo Federal já está se articulando com esses entes para resolver esse problema.
Também na Secretaria-Geral da Presidência da República foi instituído o Conselho Nacional de Fomento e Colaboração – Confoco que tem no escopo de suas competências monitorar e avaliar a implementação da Lei 13.019. Assim sendo, observa-se no ambiente do Confoco também o esforço de colaborar com municípios e estados para a implementação da Lei em todo o país.
Essas ações têm o objetivo de tornar a implementação do MROSC mais efetiva, garantindo melhores condições para que as organizações da sociedade civil possam realizar suas atividades que atendem ao interesse público. Por meio dessas parcerias, é possível construir, de forma coletiva, uma sociedade mais justa e solidária.
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Paula Pompeu Fiuza Lima – Assessora Técnica da Diretoria de Parcerias
Aldiza Soares da Silva – Secretária Executiva do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração (Confoco/SGPR)
Igor Ribeiro Ferrer – Diretor de Parcerias com a Sociedade Civil da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas da Secretaria-Geral da Presidência da República
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