É no nível local, nos territórios – sejam eles urbanos ou rurais – que os impactos negativos das mudanças climáticas são sentidos. No dia a dia das pessoas. Exemplos são as enchentes devastadoras, como as que arrasaram o Rio Grande do Sul este ano, e secas sem precedentes, como as que atravessam a Amazônia desde o ano passado.
As mudanças climáticas em curso no planeta afetam todas as pessoas, mas não na mesma intensidade. Grupos politicamente minorizados, como populações tradicionais indígenas, quilombolas, agricultores familiares, LGBTQIAPN+ e mulheres, são mais gravemente atingidos por elas.
Esses grupos são os que menos têm acesso a recursos para criar resiliência em seus territórios, embora tenham soluções locais eficazes para isso, por conhecerem intimamente suas comunidades e seus territórios.
Financiar, desenvolver e/ou cocriar soluções climáticas locais – que são criadas por e para comunidades, a partir de suas reais necessidades – é um caminho fundamental para fomentar resiliência e adaptação aos efeitos adversos do clima.
As filantropias comunitária e de justiça socioambiental partem do reconhecimento dos saberes e recursos locais, já que as comunidades têm as soluções para gerar transformação de suas realidades, a partir da sua auto-organização, mobilização e incidência política. Além disso, o apoio a organizações e movimentos da sociedade civil é feito a partir da centralidade nas pessoas e da garantia do acesso a direitos.
A filantropia pode fomentar a transformação ao atuar no apoio a esses grupos, movimentos e organizações da sociedade civil em suas ações nos territórios onde estão inseridos. É assim que atuam as organizações da Rede Comuá.
Comuá pelo Clima
Recentemente, lançamos o levantamento Comuá pelo Clima: financiamento de soluções climáticas locais e cenários da filantropia. O diagnóstico revela que as organizações membro da Rede já atuam com a agenda climática, em maior ou menor grau, na chave de acesso a direitos e da transversalidade.
Entre 2022 e 2023, as organizações da Comuá doaram quase R$ 400 milhões para soluções climáticas locais, atingindo mais de 900 grupos e cerca de um milhão de pessoas. Nesse total estão incluídas atividades de formação e apoio direto a projetos e organizações, campanhas de comunicação, desenvolvimento de tecnologias sociais, produção de conhecimento, ações de incidência e apoio a ações de litigância.
Cerca de 45% dos membros da Comuá atuam em território nacional, atingindo diferentes regiões do país. E 31,8% têm atuação na escala municipal/comunitária. Atuam em todos os biomas, com foco maior na Mata Atlântica e Amazônia, mas também na Caatinga, no Pantanal, Pampa e Cerrado.
Entre os eixos de atuação das soluções climáticas locais, destaca-se a defesa e o incentivo à conservação e biodiversidade, linha na qual se concentram 20,6% dos membros da Rede, e a adaptação e resiliência climática, que reúne 19,6% deles. Foram também mapeadas soluções voltadas para a área de educação ambiental, gestão sustentável de recursos naturais, gênero e LGBTQIAPN+, direitos dos povos e comunidades tradicionais, e saúde, meio ambiente e clima.
O mapeamento traz, ainda, os públicos-alvo das soluções climáticas locais, que priorizam populações em situação de vulnerabilidade socioambiental e climática, sendo eles: comunidades de base (29,4%); povos e comunidades tradicionais (27,5%); mulheres e pessoas LBTQIAPN+ (6,9%); e crianças, adolescentes e jovens até 29 anos (4,9%).
Foram mapeadas mais de cem soluções climáticas locais financiadas, desenvolvidas e/ou cocriadas pelas organizações da Rede, que serão divulgadas em breve por meio de um banco de soluções, com potencial para se tornar uma referência para o campo da filantropia e contribuir para a incidência na construção de agendas e desenvolvimento de estratégias de financiamento para organizações e grupos da sociedade civil que atuam na linha de frente no combate às mudanças climáticas.
Exemplos de soluções climáticas locais
Nesse momento em que grandes incêndios têm atingido o país em diferentes regiões, um exemplo de solução local que tem evitado que os efeitos do fogo sejam ainda mais devastadores são as brigadas voluntárias comunitárias de combate a incêndio. O Fundo Casa Socioambiental, integrante da Rede Comuá, abriu recentemente um edital, em parceria com o Instituto Itaúsa, para apoiar brigadas de combate a incêndios florestais já constituídas, incluindo compra de EPIs, ferramentas, alimentos, água, logística e transporte, além de garantir cestas básicas e seguro de vida para brigadistas.
Outro exemplo de solução climática local é a publicação Povos indígenas e comunidades tradicionais como referência para soluções climáticas justas: a experiência do Fundo Brasil, lançada recentemente como parte do Mês da Filantropia que Transforma – promovido anualmente pela Rede Comuá e parceiros, em setembro, para dar visibilidade a práticas e experiências da filantropia comunitária e de justiça socioambiental.
São inúmeras as soluções climáticas locais que podem ser financiadas, desenvolvidas e/ou cocriadas, reconhecendo o protagonismo dos grupos e comunidades na liderança pelo desenvolvimento de resiliência e estratégias de adaptação às mudanças climáticas. Ao longo do Mês da Filantropia que Transforma 2024, a Rede Comuá, junto a seus membros e parceiros, está realizando a campanha #EuApoioTranformação, onde estão sendo compartilhadas histórias de apoio à Soluções Climáticas Locais. Para conferir a campanha, basta acompanhar as redes sociais da Comuá.
É preciso fazer com que os recursos cheguem a essas organizações e movimentos de base, integrando-os na solução dos problemas das mudanças climáticas, e com reflexos diretos na melhoria de sua qualidade de vida. Afinal, quem melhor pode dizer o que o território precisa para criar resiliência e se adaptar do que quem vive nele?
Pensar a mudança do clima a partir de uma abordagem baseada em direitos humanos e interseccional mostra-se fundamental, para que as estratégias de mitigação, adaptação e financiamento climático estejam focadas na redução da pobreza e no fortalecimento dos direitos, de modo que a transição para uma economia de baixo carbono seja de fato inclusiva e sustentável.
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*Yasmin Morais é uma pessoa cúir/queer e pansexual. Graduada em Relações Internacionais pela University of Boston/Universidade Anhembi Morumbi e mestre em Poder, Participação e Mudança Social pelo Institute of Development Studies. Atualmente, é Assessora de Programas na Rede Comuá.
Mônica C. Ribeiro é jornalista pela UFJF e mestre em antropologia pela Unicamp. Trabalha com comunicação estratégica e em rede nas áreas de filantropia, economia solidária, negócios de impacto, meio ambiente e políticas públicas, e não raro em intersecções entre elas. Atualmente é coordenadora de comunicação na Rede Comuá.
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