Por que financiar soluções climáticas locais?

por Yasmin Morais e Mônica C. Ribeiro
Rede Comuá

É no nível local, nos territórios – sejam eles urbanos ou rurais – que os impactos negativos das mudanças climáticas são sentidos. No dia a dia das pessoas. Exemplos são as enchentes devastadoras, como as que arrasaram o Rio Grande do Sul este ano, e secas sem precedentes, como as que atravessam a Amazônia desde o ano passado.

As mudanças climáticas em curso no planeta afetam todas as pessoas, mas não na mesma intensidade. Grupos politicamente minorizados, como populações tradicionais indígenas, quilombolas, agricultores familiares, LGBTQIAPN+ e mulheres, são mais gravemente atingidos por elas.

Esses grupos são os que menos têm acesso a recursos para criar resiliência em seus territórios, embora tenham soluções locais eficazes para isso, por conhecerem intimamente suas comunidades e seus territórios.

Financiar, desenvolver e/ou cocriar soluções climáticas locais – que são criadas por e para comunidades, a partir de suas reais necessidades – é um caminho fundamental para fomentar resiliência e adaptação aos efeitos adversos do clima.

As filantropias comunitária e de justiça socioambiental partem do reconhecimento dos saberes e recursos locais, já que as comunidades têm as soluções para gerar transformação de suas realidades, a partir da sua auto-organização, mobilização e incidência política. Além disso, o apoio a organizações e movimentos da sociedade civil é feito a partir da centralidade nas pessoas e da garantia do acesso a direitos.

A filantropia pode fomentar a transformação ao atuar no apoio a esses grupos, movimentos e organizações da sociedade civil em suas ações nos territórios onde estão inseridos. É assim que atuam as organizações da Rede Comuá.

Comuá pelo Clima

Recentemente, lançamos o levantamento Comuá pelo Clima: financiamento de soluções climáticas locais e cenários da filantropia. O diagnóstico revela que as organizações membro da Rede já atuam com a agenda climática, em maior ou menor grau, na chave de acesso a direitos e da transversalidade.  

Jonathas Azevedo (diretor executivo da Rede Comuá) apresenta os principais dados do levantamento da Comuá pelo Clima em seu evento de lançamento, que ocorreu no dia 12 de setembro de 2024 em São Paulo. Foto: Rede Comuá / Zoid Creative.

Entre 2022 e 2023, as organizações da Comuá doaram quase R$ 400 milhões para soluções climáticas locais, atingindo mais de 900 grupos e cerca de um milhão de pessoas. Nesse total estão incluídas atividades de formação e apoio direto a projetos e organizações, campanhas de comunicação, desenvolvimento de tecnologias sociais, produção de conhecimento, ações de incidência e apoio a ações de litigância.  

Cerca de 45% dos membros da Comuá atuam em território nacional, atingindo diferentes regiões do país. E 31,8% têm atuação na escala municipal/comunitária. Atuam em todos os biomas, com foco maior na Mata Atlântica e Amazônia, mas também na Caatinga, no Pantanal, Pampa e Cerrado.

Entre os eixos de atuação das soluções climáticas locais, destaca-se a defesa e o incentivo à conservação e biodiversidade, linha na qual se concentram 20,6% dos membros da Rede, e a adaptação e resiliência climática, que reúne 19,6% deles. Foram também mapeadas soluções voltadas para a área de educação ambiental, gestão sustentável de recursos naturais, gênero e LGBTQIAPN+, direitos dos povos e comunidades tradicionais, e saúde, meio ambiente e clima.

O mapeamento traz, ainda, os públicos-alvo das soluções climáticas locais, que priorizam populações em situação de vulnerabilidade socioambiental e climática, sendo eles: comunidades de base (29,4%); povos e comunidades tradicionais (27,5%); mulheres e pessoas LBTQIAPN+ (6,9%); e crianças, adolescentes e jovens até 29 anos (4,9%).

Foram mapeadas mais de cem soluções climáticas locais financiadas, desenvolvidas e/ou cocriadas pelas organizações da Rede, que serão divulgadas em breve por meio de um banco de soluções, com potencial para se tornar uma referência para o campo da filantropia e contribuir para a incidência na construção de agendas e desenvolvimento de estratégias de financiamento para organizações e grupos da sociedade civil que atuam na linha de frente no combate às mudanças climáticas.  

Exemplos de soluções climáticas locais

Nesse momento em que grandes incêndios têm atingido o país em diferentes regiões, um exemplo de solução local que tem evitado que os efeitos do fogo sejam ainda mais devastadores são as brigadas voluntárias comunitárias de combate a incêndio. O Fundo Casa Socioambiental, integrante da Rede Comuá, abriu recentemente um edital, em parceria com o Instituto Itaúsa, para apoiar brigadas de combate a incêndios florestais já constituídas, incluindo compra de EPIs, ferramentas, alimentos, água, logística e transporte, além de garantir cestas básicas e seguro de vida para brigadistas.

Brigadistas da Brigada de Resgate Ambiental de Lençóis, na Chapada Diamantina, apoiada pelo Fundo Casa Socioambiental. Foto: Açony Santos/Fundo Casa Socioambiental

Outro exemplo de solução climática local é a publicação Povos indígenas e comunidades tradicionais como referência para soluções climáticas justas: a experiência do Fundo Brasil, lançada recentemente como parte do Mês da Filantropia que Transforma – promovido anualmente pela Rede Comuá e parceiros, em setembro, para dar visibilidade a práticas e experiências da filantropia comunitária e de justiça socioambiental.

São inúmeras as soluções climáticas locais que podem ser financiadas, desenvolvidas e/ou cocriadas, reconhecendo o protagonismo dos grupos e comunidades na liderança pelo desenvolvimento de resiliência e estratégias de adaptação às mudanças climáticas. Ao longo do Mês da Filantropia que Transforma 2024, a Rede Comuá, junto a seus membros e parceiros, está realizando a campanha #EuApoioTranformação, onde estão sendo compartilhadas histórias de apoio à Soluções Climáticas Locais. Para conferir a campanha, basta acompanhar as redes sociais da Comuá.

É preciso fazer com que os recursos cheguem a essas organizações e movimentos de base, integrando-os na solução dos problemas das mudanças climáticas, e com reflexos diretos na melhoria de sua qualidade de vida. Afinal, quem melhor pode dizer o que o território precisa para criar resiliência e se adaptar do que quem vive nele?

Pensar a mudança do clima a partir de uma abordagem baseada em direitos humanos e interseccional mostra-se fundamental, para que as estratégias de mitigação, adaptação e financiamento climático estejam focadas na redução da pobreza e no fortalecimento dos direitos, de modo que a transição para uma economia de baixo carbono seja de fato inclusiva e sustentável.

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*Yasmin Morais é uma pessoa cúir/queer e pansexual. Graduada em Relações Internacionais pela University of Boston/Universidade Anhembi Morumbi e mestre em Poder, Participação e Mudança Social pelo Institute of Development Studies. Atualmente, é Assessora de Programas na Rede Comuá.

Mônica C. Ribeiro é jornalista pela UFJF e mestre em antropologia pela Unicamp. Trabalha com comunicação estratégica e em rede nas áreas de filantropia, economia solidária, negócios de impacto, meio ambiente e políticas públicas, e não raro em intersecções entre elas. Atualmente é coordenadora de comunicação na Rede Comuá.

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