Enquanto organizações não governamentais (ONGs) trabalham diariamente para enfrentar problemas complexos e urgentes, a filantropia brasileira avança lentamente, em um cenário repleto de obstáculos.
Um estudo da Fundação José Luiz Egydio Setúbal retrata essa realidade ao revelar que, em 2023, apenas 28% dos entrevistados declararam ter feito uma doação monetária para uma organização, e desses apenas 37% mantêm contribuições recorrentes. Esses números deixam claro o tamanho do desafio para consolidar a doação como um hábito no país.
Diante de desigualdades sociais profundas e crises ambientais urgentes, é essencial promovermos múltiplas ações que incentivem a prática de doar. Entre as diretrizes destacadas pelo Movimento Cultura de Doação, está a criação de um ambiente que favoreça essa prática, missão compartilhada pela Aliança para o Fortalecimento da Sociedade Civil.
Um dos exemplos significativos de como a estrutura tributária historicamente se contrapôs ao estímulo às doações é o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Um estudo realizado pela FGV Direito e GIFE revelou que apenas três países — Brasil, Coreia do Sul e Croácia — tratam as doações para ONGs da mesma forma que as doações por herança, desconsiderando a importância desses recursos para o fortalecimento da sociedade civil e na promoção de direitos.
O impacto do imposto sobre doação para as ONGs
O Movimento Arredondar tem como missão trazer a doação para o dia a dia dos brasileiros, tornando o ato de doar fácil, acessível e transparente. Para isso, promove a arrecadação de centavos, possibilitando aos clientes arredondar o valor de suas compras em estabelecimentos comerciais. A solução é muito simples, mas ainda assim, o movimento enfrenta diariamente o desafio de operar em um cenário tributário complexo.
Desde o início da proposta do Arredondar, foi necessário mapear as diferentes legislações estaduais relacionadas ao imposto sobre doações, para adequar e garantir a segurança da operação. Imagine que em alguns dos estados brasileiros, ao doar 20 centavos, há a necessidade de emitir uma guia e realizar o pagamento do imposto no mesmo dia!
Esse tipo de exigência, que afeta milhares de organizações no Brasil, reduz não apenas os valores destinados às ações de impacto, mas também sobrecarrega as ONGs com demandas burocráticas desproporcionais, podendo desestimular empresas e cidadãos a adotarem uma cultura de doação recorrente.
No entanto, há esperança de que esse cenário possa mudar! Em 2023, no contexto da Reforma Tributária, foi aprovada a isenção do ITCMD para as Organizações da Sociedade Civil. Esta alteração está sendo regulamentada, com aprovação na Câmara e em estágio de tramitação no Senado. Apenas após a regulamentação será possível saber exatamente quando e como o fim do imposto sobre a doação vai acontecer.
Essa mudança pode representar um avanço significativo, facilitando a doação e engajamento de empresas e cidadãos brasileiros, além de permitir maior previsibilidade para as ONGs, mais recursos sejam direcionados para impacto social e segurança jurídica para os envolvidos.
Unir esforços para eliminar barreiras tributárias é essencial para fortalecer o papel das ONGs no Brasil. Com isso, é possível construir uma sociedade onde a doação seja um ato simples, incentivado e acessível a todos.
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Beatriz Loguercio Bouskela é Diretora Executiva do Instituto Arredondar.
Fernando Nogueira é Diretor Executivo da ABCR e professor da FGV EAESP.
Ambos participam da Aliança para o Fortalecimento da Sociedade Civil.
Foto de Annie Spratt na Unsplash
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