A importância da Frente Parlamentar Mista em defesa das Organizações da Sociedade Civil (FPOSC).

por Candice Araújo
ELO Ligação e Organização

No atual contexto político e social do Brasil, marcado por ataques à democracia e pela necessidade de fortalecimento da participação social, a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Organizações da Sociedade Civil (FPOSC), composta por parlamentares comprometidos em promover um ambiente legislativo mais favorável às OSCs, se apresenta como uma iniciativa fundamental para diálogo e articulação. Diante da atual composição do Congresso Nacional e das crescentes pautas, como as emendas parlamentares, que impactam diretamente o terceiro setor, essa iniciativa ganha ainda mais relevância pela melhoria dos mecanismos que garantam uma maior transparência e a rastreabilidade dos recursos públicos.

Assim, é indispensável fortalecer institucionalmente as organizações, simplificar processos burocráticos e democratizar o acesso a recursos públicos, elementos centrais da agenda do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que tem sido aprofundado ao longo de décadas por diversos atores. Embora o termo “ONG” seja amplamente reconhecido, ele muitas vezes é associado erroneamente como uma extensão do Estado. O termo “OSC” foi consolidado com o MROSC, destacando a independência das organizações e seu papel na sociedade. A Frente Parlamentar não apenas amplifica as vozes das organizações, mas também contribui para a construção de políticas públicas mais inclusivas e para a consolidação do papel das OSCs como mediadoras entre o Estado e a sociedade, reafirmando sua importância na promoção de direitos, justiça social e desenvolvimento sustentável.

Apesar do papel fundamental desempenhado pelas OSCs na formulação da Constituição Federal de 1988 e na construção de um Estado democrático, o acesso aos recursos públicos avança de forma desproporcional à relevância dessas organizações. Além de sua atuação histórica na resistência à ditadura militar e na luta pela redemocratização, as OSCs têm contribuído significativamente para políticas voltadas à equidade social e à governança participativa.

Vamos aprofundar parte por parte neste papo por aqui?

Frente Parlamentar Mista em defesa das Organizações da Sociedade Civil (FPOSC)

Sobre as OSCs e o acesso a recursos públicos

De acordo com o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no artigo Governo Federal e as OSCs: Recursos públicos e parcerias, entre 2010 e 2018, apenas 2,7% das OSCs receberam recursos federais, vale ressaltar que nos estados e municípios há muitas outras parcerias com as OSCs que também carecem de análise.

De acordo com a publicação “Perfil das Parcerias entre a União e as Organizações da Sociedade Civil” lançada pela Secretaria-Geral da Presidência da República, por meio da Diretoria de Parcerias com a Sociedade Civil, entre 2016 e 2022 foram assinadas 3.890 parcerias pela Administração Pública Federal com 1.804 OSCs. Considerando um universo de mais de 800 mil OSC, ainda é irrisório o número de OSCs acessando recursos públicos federais e muitas continuam realizando ações essenciais a grande parte da população que deveria ser assistida pelo estado.

Sendo assim, o desafio da democratização de acesso a recursos precisa ser reconhecido e trazido para a pauta, pois há uma barreira que restringe o financiamento público e, consequentemente, a ampliação da sustentabilidade das OSCs em diversas regiões e áreas de atuação. Esse cenário revela um dos principais desafios da agenda MROSC: garantir maior equidade e transparência no acesso aos recursos públicos. A luta pela democratização do financiamento não é apenas uma questão de justiça, mas também de fortalecimento do papel das OSCs na construção de políticas públicas e no atendimento de demandas sociais.

O desafio dos chamamentos públicos

Um dos principais gargalos na etapa de planejamento das parcerias, entre o Estado e as OSCs, é a formulação dos editais de chamamento público, que não incorporam os princípios de simplificação e racionalização preconizados pela Lei nº 13.019/2014. Em muitos casos, os editais apresentam exigências excessivas e desproporcionais à realidade, o que dificulta a participação de OSCs menores e com menor estrutura administrativa. Essa inadequação privilegia organizações mais capacitadas a navegar em processos burocráticos complexos, em detrimento daquelas que atuam em territórios vulneráveis ou com menor acesso a recursos técnicos.

Esse cenário reforça a necessidade de alinhamento dos editais, priorizando a construção de instrumentos claros, acessíveis e proporcionais à natureza das parcerias. Além disso, é essencial que os processos de chamamento público contemplem estratégias de divulgação ampla e a capacitação para as OSCs participarem de forma qualificada, garantindo que não se torne mais uma barreira para a efetiva implementação das políticas públicas e para o fortalecimento do setor.

Uma das dispensas do chamamento público, prevista nesta norma, está relacionada às emendas, por meio das quais os parlamentares indicam recursos destinados às OSCs e a determinada política pública, tendo sua autonomia de escolha já assegurada pela Constituição Federal. Contudo, é necessário que se faça uma reflexão muito urgente sobre o tema e suas previsões legais, as alterações promovidas e o fluxo processual de cada uma delas. Tais recursos podem, segundo a legislação, financiar ações e projetos de OSC e em algumas áreas, se constituem como a única fonte de recurso disponível. Vale ressaltar que, neste caso, a dispensa se refere apenas ao chamamento público, e que a Lei 13019/2014 define todas as demais etapas e as respectivas regras a tal parceria e que devem ser seguidas.

Cabe mencionar o recente relatório de avaliação da Controladoria Geral da União que trata da auditoria realizada para atender a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), voltada à avaliação de repasses de emendas parlamentares (de qualquer modalidade), no período de 2020 a 2024, em benefício de ONGS. O documento revela várias falhas, especialmente na aplicação da legislação, evidenciando a falta de compreensão das normas e limitações técnicas por parte dos entes públicos. Isso reforça a necessidade de capacitação, prevista na legislação, já que, nas parcerias, o ente público atua como corresponsável.

As regras existem e precisam ser seguidas.

Nós, das OSCs, apenas queremos que “se cumpra o que está na lei”.

A importância de Fundos para Apoio Institucional no Fortalecimento das OSCs

O fortalecimento institucional das OSCs é essencial para garantir a continuidade e a qualidade de suas ações. Contudo, grande parte dos financiadores concentra os recursos em metas diretamente vinculadas ao atendimento do público beneficiário, deixando de fora investimentos estruturais indispensáveis, como capacitação de equipe, modernização de processos administrativos ou aquisição de ferramentas de gestão. Essa ausência de suporte compromete a sustentabilidade das OSCs e reforça a urgência de criar fundos dedicados ao fortalecimento institucional.

Um exemplo dessa situação ocorre frequentemente em projetos voltados para a assistência social. Imagine uma OSC que gerencia um projeto de acompanhamento psicossocial em uma comunidade vulnerável, onde as metas do projeto incluem atender 500 famílias em um ano. No entanto, o financiamento cobre apenas os custos de parte da equipe técnica, deixando de fora itens essenciais como o treinamento contínuo de assistentes sociais, a manutenção da sede ou a contratação de um profissional especializado para melhorar o monitoramento das ações. Sem recursos para essas áreas, a organização entrega os resultados esperados ao público, mas enfrenta desafios internos, como sobrecarga da equipe, dificuldades na prestação de contas ou limitações para captar novos recursos.

Outro exemplo claro dessa lacuna pode ser visto em projetos voltados para a educação infantil. Uma OSC que desenvolve atividades extracurriculares em comunidades vulneráveis pode ter como metas contratualizadas o atendimento de 300 crianças com oficinas pedagógicas, culturais e esportivas ao longo de um ano. No entanto, o projeto pode não prever recursos para a contratação de um gerente administrativo ou para a aquisição de um sistema de gestão que permita monitorar as atividades, avaliar impactos e prestar contas. Em mais um exemplo, a organização atinge o público-alvo, mas enfrenta dificuldades internas para cumprir prazos e manter a transparência, comprometendo sua sustentabilidade e capacidade de captar novos recursos.

A existência de fundos de apoio institucional poderia preencher essas lacunas, permitindo que as OSCs não apenas executem suas atividades, mas também se fortaleçam enquanto instituições, ampliando sua atuação e sua capacidade de gerar impactos sociais de forma eficiente e sustentável.

O ELO Ligação e Organização segue fiel à sua missão de fortalecer as OSCs e também integra redes nacionais de articulação da sociedade civil, como a Plataforma MROSC e a ABONG. Desde a estreia da iniciativa da Frente Parlamentar Mista em defesa das Organizações da Sociedade Civil (FPOSC), em 2019, na legislatura anterior, até sua retomada e recriação na atual gestão, tais articulações estiveram presentes na coleta de assinaturas dos parlamentares e no lançamento da Frente.

Seguiremos acompanhando de perto sua atuação junto a outras OSCs, reforçando o compromisso com a ideia de que, juntas, somos mais fortes.

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Candice Araújo, Contadora, Especialista em Controle e Gestão das Entidades do Terceiro Setor, Mestranda em Desenvolvimento e Gestão Social – UFBA e Assessora do ELO Ligação e Organização

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